

Aos comoventes aplausos, depois de um depoimento interrompido pelo choro de Marcelo Rubens Paiva, sobre seu pai desaparecido, em 1971, quando tinha apenas 11 anos, a mesa Memórias do Cárcere, 50 anos do golpe falou sobre desaparecidos no regime militar.
No espaço SESC, acompanhei a discussão A vida nos extremos, com os escritores premiados pelo SESC Márcio Leite, Flávio Izhaki e Wesley Peres falando sobre o difícil tema finitude e morte.Um deles trabalha como médico,e acompanha a Unidade de Terapia Intensiva em um hospital, convivendo com a morte no seu dia-a-dia. De maneira bem humorada o outro escritor comentou " quando me perguntam o que penso da morte, eu digo- sou contra" Emocionei-me com um jovem escritor, Flávio Izhaki, que relacionava o tema, de maneira madura, a um quadro de depressão, à perda de uma pessoa amada ou ao fim de uma relação.
Em meio a discussões transmitidas pelo telão, a tribo Yanomami se destacou ao colocar os problemas enfrentados por seu povo, na Amazônia.O Xamã Davi Kopenawa, pajé e presidente da Hutukara Associação disse que está sendo ameaçado de morte e criticou a destruição da natureza feita pelo homem.Com sua simplicidade e gentileza, ainda concordou em tirar uma foto comigo, na Pousada do Ouro, onde estavam hospedados.Com um jeito quase inocente e tranquilo, trazia no rosto o sofrimento e a sabedoria de seu povo. Timidamente contei a ele que havia, como atriz, interpretado uma peça teatral cujo tema indígena era Xamâs, certa de que apesar de ter estudado o tema, eu jamais entenderia o quanto é forte e importante o papel de um Xamã para sua tribo.
Em meio à fogueira e bandeirinhas penduradas, alguns, admirados em pé, outros, mais à vontade, sentados, ao redor dos atores, viviam momentos raros na noite fria. Eram declamações de poemas e interpretações de textos em frente à antiga igrejinha do século XVII, de frente para o mar. Um total deleite para a alma, com a população bem de perto daqueles que só viam nas telinhas, saboreando textos amorosos e histórias comoventes. O destaque foi para um texto que destacava a beleza da atriz francesa Brigitte Bardô, quando era jovem e vivia em meio a pescadores em Buzios. A leitura foi feita pela atriz Leona Cavalli. Estavam presentes Ananda Costa, Murilo Rosa, Angelo Antonio e outros. Ao lado,havia a concorrida Tenda dos autores, onde, entre outros assuntos, abordavam a curiosa discussão sobre o preconceito sofrido pelos escritores de novelas no meio editorial.

" ...e eu ouvia o barulho da máquina de escrever insistentemente da janela do hotel em que estou hospedado...quando abri a janela me deparei com um passarinho.. e pensei... "em Paraty até os passarinhos escrevem..." esta foi a frase que arrancou garalhadas na casa Folha, pela voz do grande Biógrafo Ruy Castro, que falava do quanto é agradável escrever sobre a vida daqueles que ele tem admiração, citando obras sobre Carmem Miranda, Garrincha, Nelson Rodrigues e outros.
Além da tribo da região, crianças indígenas pousavam para curiosos, revelando seus talentos, com pequeno cartaz escrito com dificuldade, o preço para cada tipo de "trabalho" - desde pose para foto até a compra de um objeto artesanal.
O pequeno sonolento exposto, cumpria sua jornada do dia. Com vestes urbanas que mostravam sua aculturação , trazia os pequenos símbolos que lembravam sua gente como o cocar e a pintura no rosto. A cena fazia lembrar a história dos portugueses aqui chegando e trocando objetos, surpresos com o exótico, na ânsia da conquista.. Lembrei também do poema de Oswald de Andrade - Erro de Português
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
Pensei que tantos anos se passaram e o quanto ainda há a exploração do índio pelo branco, com um diferencial chocante- a pobreza e falta de perspectiva na tribo dos poucos remanescentes pataxós que vivem ali por perto.
Uma outra lembrança que me ficará é o destaque feminino para uma grande mulher - a mãe de Marcelo Rubens Paiva- foi ele, na condição de filho e admirador, que destacou que sua mãe era apenas uma dondoca formada em Letras, mas que adquiriu uma grande força ao combater como ninguém a ditadura. Viveu numa procura incansável de seu marido, o ex deputado federal socialista desaparecido, Rubens Paiva Ele contou que ela tornou-se mais tarde, o símbolo da luta pela anistia e pelas diretas e outras conquistas,combatendo a ditadura e passando a ser referência, ao dar sua bênção, aos candidatos de esquerda à política brasileira.
Imediatamente pensei em entrevistá-la mas fiquei triste ao saber que hoje a guerreira vive confusa em meio à doença do Alzheimer.Quem sabe um dia esta grande mulher será retratada em filme ou peça teatral!
De resto, fiquei mais uma vez em êxtase com a beleza paradisíaca daquela que é chamada de A Veneza do Atlântico Sul, a maravilhosa cidade de Paraty!